Ação de Investigação Judicial Eleitoral n.
601-38.2016.6.13.0272
Vistos etc.
Cuida-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada pelo Ministério
Público em face de Cláudio Cosme Pereira de Souza e Luiz Vilela Paranaíba sob
o fundamento, em suma, de que os representados teriam procedido a inauguração
precipitada de bairro, com fins eleitorais, doação de terrenos em período
eleitoral acarretando abuso do poder econômico e político. Pugna para que a
ação seja julgada procedente e declarada a inelegibilidade dos candidatos,
cassado o respectivo registro e consequentemente impedida a diplomação.
A inicial foi acompanhada dos documentos de ff. 05/31.
Feita a notificação, os representados se manifestaram às ff. 120/153,
acompanhada dos docs. de ff. 154/225, afirmando, em apertada síntese, que
quanto a inauguração do bairro Nova Três Corações com fins eleitorais, dentre
outras coisas que, tal informação teria se dado com base no depoimento prestado
pelo Sr. Maurício Miguel Gadbem, que é notoriamente conhecido como adversário
político do representado, não existindo nos autos prova capaz de corroborar
as alegações.
No que atine a precipitação de entrega das casas ante a aproximação do
período eleitoral, com finalidade eleitoreira, informa a defesa que a
inauguração do bairro Nova Três Corações ocorreu na data de 27 de novembro de
2015 e não recentemente conforme informado, prova disto está no convite
enviado ao MP e a CEF- Caixa Econômica Federal, sendo que neste convite a
prefeitura municipal sequer é mencionada. Na ocasião não havia sequer
definição de quais seriam os candidatos ao pleito de 2016, muito menos se o
primeiro representado seria candidato à reeleição, tampouco estava no período
eleitoral.
Quanto às doações de terrenos, relativamente a Sra. Elizabete Nogueira dos
Santos, a defesa aduz que foi utilizado instrumento jurídico de Concessão de
Direito Real de Uso contando com autorização legislativa, Lei Complementar n.
456/2015 de 28/12/2015, editada em atendimento ao Programa Social instituído
pela lei Municipal n. 4174/2015.
Designada AIJ, foi tomado o depoimento pessoal do requerido, foram feitas as
oitivas de cinco testemunhas do MP e a oitiva de um informante da defesa,
havendo a desistência das demais pelas partes.
Apresentadas alegações finais pelo Ministério Público às ff. 326-331 e pela
defesa às ff. 332-374.
É o breve relato. Decido.
II- FUNDAMENTAÇÃO
Sem preliminares, para melhor exame da vexata quaestio, é preciso fazer a
distinção entre abuso de poder econômico ou político e captação de sufrágio.
A ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) tem por finalidade
declaração da ocorrência do fato jurídico ilícito do abuso de poder econômico
ou abuso do poder político.
No tocante à captação ilícita de sufrágio, cumpre-se destacar que o art. 41-A
da Lei n° 9.504/97, redação dada pela Lei n° 9.840/99, estabelece o que
constitui a prática deste fato ilícito:
Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui
captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer,
prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou
vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública,
desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de
multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma,
observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18
de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 28.9.1999).
Deve-se, de antemão, destacar a profunda diferença entre a captação ilícita
de sufrágio e o abuso de poder econômico, pois a dessemelhança está
justamente na extensão da prática do fato ilícito.
Segundo STOCO, a captação de sufrágio não se confunde com o abuso de poder,
"...enquanto o abuso de poder pressupõe a disseminação da conduta
proibida de modo a influenciar na lisura do pleito, a compra de votos
satisfaz-se com a entrega ou até simples promessa...” (STOCO, Rui; STOCO,
Leandro de Oliveira. Legislação eleitoral interpretada: doutrina e
jurisprudência. 2. ed. São Paulo; RT, 2006, p. 32).
Deve-se registrar, ademais, que “O Tribunal Superior Eleitoral caracteriza a
captação de sufrágio quando presentes três elementos indispensáveis: a) a
prática de uma ação (doar, prometer etc.), b) a existência de uma pessoa
física (o eleitor), e c) o resultado a que se propõe o agente (a obtenção do
seu voto)” (COSTA, op. cit., p. 517).
Anote-se que, em se tratando de captação ilícita de sufrágio, não se exige a
necessidade de demonstração da potencialidade da conduta influir no resultado
final do pleito eleitoral, e nem poderia, porquanto, na realidade, o bem
jurídico tutelado pela norma eleitoral visa resguardar o direito de voto e
não o equilíbrio entre os candidatos no pleito eleitoral.
A inicial aduziu como sendo fatos: 1- inauguração precipitada de bairro, com
fins eleitoral; 2- doação de terreno e areia em período eleitoral, em
verdadeiro abuso de poder político e econômico. Em nenhum momento restou narrado
dos fatos conduta adequada ao tipo previsto no art. 41-A, qual seja a compra
de voto, que segundo jurisprudência pacífica pode se dar até de forma
indireta.
Aludido fato, qual seja, possível compra de voto pelo atual prefeito, Sr.
Cláudio, em troca de promessa de doação de terreno, surgiu em audiência de
instrução por ocasião da oitiva da testemunha Josimar Donizete Tavares.
Conclui-se, assim, ao ver deste juízo que, proceder ao enquadramento dos
fatos narrados a exordial, por ocasião das alegações finais no tipo previsto
no art. 41-A, constitui verdadeira inovação à lide, uma vez que, conforme já
dito, em nenhum momento da exordial foi suscitada compra de voto, ainda que
de forma indireta. Repito, por oportuno, que aludido fato surgiu em audiência
de instrução, tão somente, ocorrendo, portanto, verdadeira preclusão
consumativa, pelo que, permitir que a parte autora faça menção a novos fatos
neste momento processual, seria o mesmo que chancelar o desrespeito ao devido
processo legal e a inovação da lide nesta fase.
Por tais, razão é que passo a análise da matéria fática e, para tanto, é de
todo salutar trazer à colação os dispositivos da Lei n° 9.504197 que regem a
matéria:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes
condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos
pleitos eleitorais:
IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido
político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter
social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;
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§ 40 o descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão
imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a
multa no valor de cinco a cem mil UFIR.
§ 50 Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10,
sem prejuízo do disposto no § 40, o candidato beneficiado, agente público ou
não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma. (Redação dada pela
Lei n° 12.034, de 2009)
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§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição
gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública,
exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de
programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no
exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o
acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela
Lei n° 11.300, de 2006).
(sem grifos no original).
O rol das condutas vedadas, portanto, deve ser compreendido como um anteparo
de proteção ao equilíbrio do pleito que se coloca sob ameaça por parte do
agente público e que foi, digamos, potencializada com o instituto da
reeleição. Esta é, portanto, a interpretação teleológica da norma, por
perseguir a finalidade protetiva do pleito eleitoral.
A objetividade jurídica do dispositivo é proteger o patrimônio público móvel
ou imóvel do desvio de finalidade. No plano subjetivo, a norma visa evitar
que a utilização indevida desse patrimônio desequilibre o pleito eleitoral.
Por certo, o “uso promocional” deve ser combatido quando se identificar na
própria execução dos programas de governo, o caráter abusivo da vinculação ao
projeto eleitoral de quem administra a máquina pública. Não obstante, nos
autos, se extrai que o Programa Minha Casa Minha Vida se deu fora do período
eleitoral, e sequer restou comprovado “uso promocional” do aludido programa
pelo candidato a reeleição, ora representado, conforme se extrai da oitiva da
testemunha Maurício Miguel Gadbem, bem como dos documentos de ff.215-224.
Conclui-se que no que atine à inauguração do Bairro Nova Três Corações, da
moldura fática constante dos autos não se pode constatar que a efetiva
distribuição de lotes em favor dos munícipes tenha ocorrido de forma
precipitada de modo a consubstanciar o abuso, menos ainda, a conduta vedada
pelo art. 73, inciso IV e seu § 10, da Lei n. 9.504197.
Já no que pertine a doação de terrenos, como se vê, nos termos da legislação
de regência, no ano eleitoral, a Administração Pública só poderá promover a
distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios, se tal conduta se der
no bojo de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária
no exercício anterior.
Nesse sentido:
ELEIÇÕES 2010. RECURSO ORDINÁRIO. IMPROCEDÊNCIA. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE
MANDATO ELETIVO. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PRECLUSÃO. ABUSO DO PODER
ECONÔMICO E CORRUPÇÃO ELEITORAL. MANUTENÇÃO DE PROGRAMA SOCIAL NO PERÍODO
ELEITORAL. PEDIDO DE VOTOS. FRAGILIDADE DA PROVA. MATÉRIAS JORNALÍSTICAS
FAVORÁVEIS AOS CANDIDATOS. AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE LESIVA. RECURSO
DESPROVIDO.
4. A manutenção, no período eleitoral, de programa social
criado por lei e em execução orçamentária no exercício anterior encontra amparo
no disposto no § 10 do art. 73 da Lei n° 9.504/97.
7. Recurso ordinário a que se nega provimento.
(RO n°621 3-34/MS, Rei. Ministro DIAS TOFFOLI, DJE 24.3.2014)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AIJE. ART. 73, § 10, DA LEI N° 9.504/97.
PROGRAMA SOCIAL. CESTAS BÁSICAS. AUTORIZAÇÃO EM LEI E EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA
NO EXERCÍCIO ANTERIOR. AUMENTO DO BENEFÍCIO. CONDUTA VEDADA NÃO CONFIGURADA.
1. A continuação de programa social instituído e executado no ano anterior ao
eleitoral não constitui conduta vedada, de acordo com a ressalva prevista no
art. 73, § 10 da Lei n° 9.504197.
[ ... J
4. Agravo regimental desprovido.
(AgR-REspe n° 9979065-51/SC, Rei. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJE
19.4.2011)
Com efeito, para concluir se de fato foram perpetradas as condutas vedadas
previstas no inciso IV e no § 10 do art. 73 da Lei n° 9.504/97, é
imprescindível a verificação quanto à ocorrência, ou não, de efetiva doação
dos lotes — tradição dos imóveis —, durante o período em que tal proceder é
defeso.
Isso porque, a singela leitura dos citados dispositivos legais, conduz à
conclusão de que a subsunção dos fatos ora analisados às citadas normas tem
como condição inarredável ter havido a “distribuição gratuita de bens”, não
sendo cabível, quanto a esse ponto, interpretação extensiva daquele comando
normativo, de maneira a albergar situações semelhantes à dos presentes autos.
É forçoso reconhecer que não houve a necessária subsunção do fato à norma
proibitiva, tendo em vista que inexiste prova nos autos de que os
representados tenham levado a cabo a efetiva distribuição gratuita durante o
ano eleitoral, uma vez que restou frustrada toda e qualquer tentativa,
conforme se extrai das próprias oitivas das testemunhas Josimar Donizetti
Tavares, Poliane Aureliano da Silva e Valdemir Rezende Carvalho.
No que atine a doação de terreno a Sra. Elisabete Nogueira dos Santos, é
preciso esclarecer sobre a concessão de direito real de uso e sobre este
assunto assim se manifesta José dos Santos Carvalho Filho:
“A concessão de direito real de uso salvaguarda o patrimônio da Administração
e evita a alienação de bens públicos, autorizada às vezes sem qualquer
vantagem para ela. Além do mais, o concessionário não fica livre para dar ao
uso a destinação que lhe convier, mas, ao contrário, será obrigado a
destiná-lo ao fim estabelecido em lei, o que mantém resguardado o interesse
público que originou a concessão real de uso.
Além da concessão de direito real de uso, outra possibilidade é a doação com
encargos, que pode ser utilizada, sempre que o interesse público puder
indicar ser a modalidade de transferência da propriedade mais vantajosa.
Assim, a concessão consiste, portanto, em um contrato administrativo
celebrado entre o ente público e o particular para a transferência da
utilização de um domínio público fundiário, a título gratuito ou remunerado.
Por meio da concessão, repita-se, é conferido ao concessionário um direito
real e como tal, ainda que seja um direito resolúvel vinculado às finalidades
da concessão, o particular poderá defender seu direito oponível erga omnes. O
concessionário está, assim, garantido contra a ação de todas as demais
pessoas na defesa do seu direito.
O art. 73 da Lei n. dispõe em seu parágrafo 10 que:
"No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição
gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública,
exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de
programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no
exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o
acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.”
A cessão de uso e a concessão de direito real de uso não estão proibidas em
ano eleitoral. Primeiro, quando o legislador pretendeu estabelecer a
proibição de utilização de bens públicos, o fez na regra do inciso I do art.
73, da Lei n.º 9.504/97. Desse modo, não caberia ao § 10 do art. 73 da Lei n°
9.504/97 vedar a cessão ou concessão de direito real de uso de bens, já que
não se trata de distribuição gratuita, em razão das peculiaridades jurídicas
desses institutos. Portanto, é permitida desde que não haja qualquer tipo de
promoção eleitoral na concessão, ou na cessão de direito real de uso.
Da documentação carreada aos autos extrai-se que houve sim o instituto da
concessão de direito real de uso de lotes urbanos conforme lei n. 3.706/2011
de 03/10/2011, à f.155, que dispõe sobre o assentamento de famílias carentes,
Lei n. 4.174/2015, às ff. 158/161, institui o programa de concessão de
direito real de uso de lotes urbanos a famílias residentes em área de risco
ou insalubridade e em situação de relevante vulnerabilidade social, Lei
Complementar n. 456/2015 que autoriza a desafetação e transferência de uso de
imóvel por concessão de direito real de uso, no Bairro Retirinho, objetivando
a regularização fundiária de interesse social, às ff.162/164, além do Termo
de concessão de direito real de uso n. 005/2016, ff. 177/180 e Laudo social
de ff. 208/209.
Quanto a possível doação de bem móvel, qual seja, de um caminhão de areia,
tal fato restou comprovado no depoimento da testemunha Josimar Donizetti
Tavares, que confirmou em juízo, sob o crivo do contraditório, sendo claro ao
dizer que seu irmão recebeu um caminhão de areia do prefeito, que veio por
meio do caminhão da prefeitura, e que aludida areia foi despejada em
propriedade doada verbalmente ao seu irmão. Saliente-se que, as declarações
prestadas em juízo por Josimar Donizetti Tavares vão de encontro ao dito
junto à Delegacia de Polícia pela pessoa de Valdemir Rezende Carvalho, à
f.17.
Não obstante a comprovação, tem-se que o exame da potencialidade não se
prende ao resultado das eleições. Importam os elementos que podem influir no
transcurso normal e legítimo do processo eleitoral, sem a necessária
vinculação com resultado quantitativo, e por sapiência que um único caminhão
de areia não é capaz, nem de longe, de influir no transcurso normal e
legítimo de um processo eleitoral. Portanto, inexistente a potencialidade de
comprometimento da lisura e normalidade das eleições para fins de
configuração de abuso de poder que possa culminar com a inelegibilidade e,
possivelmente, com a cassação. Razão pela qual, o pedido não merece acolhida.
III- CONCLUSÃO
Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial, uma vez que não restaram
comprovadas a prática de Abuso de Poder Econômico e Político por parte dos
representados CLAUDIO COSME PEREIRA DE SOUZA e LUIZ VILELA PARANAÍBA.
Sem condenação em custas e honorários.
Com o transito em julgado, arquive-se com baixa.
PRI.
Três Corações, MG, 07 de dezembro de 2016.
Glauciene Gonçalves da Silva
Juíza Eleitoral
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