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quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

CONHEÇA A SENTENÇA DA AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL DO MP EM DESFAVOR DO PREFEITO CLÁUDIO E SEU VICE EM TRÊS CORAÇÕES


Sentença em 07/12/2016 - AIJE Nº 60138 Exma. GLAUCIENE GONÇALVES DA SILVA

Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 601-38.2016.6.13.0272

Vistos etc.
Cuida-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada pelo Ministério Público em face de Cláudio Cosme Pereira de Souza e Luiz Vilela Paranaíba sob o fundamento, em suma, de que os representados teriam procedido a inauguração precipitada de bairro, com fins eleitorais, doação de terrenos em período eleitoral acarretando abuso do poder econômico e político. Pugna para que a ação seja julgada procedente e declarada a inelegibilidade dos candidatos, cassado o respectivo registro e consequentemente impedida a diplomação.

A inicial foi acompanhada dos documentos de ff. 05/31.

Feita a notificação, os representados se manifestaram às ff. 120/153, acompanhada dos docs. de ff. 154/225, afirmando, em apertada síntese, que quanto a inauguração do bairro Nova Três Corações com fins eleitorais, dentre outras coisas que, tal informação teria se dado com base no depoimento prestado pelo Sr. Maurício Miguel Gadbem, que é notoriamente conhecido como adversário político do representado, não existindo nos autos prova capaz de corroborar as alegações.

No que atine a precipitação de entrega das casas ante a aproximação do período eleitoral, com finalidade eleitoreira, informa a defesa que a inauguração do bairro Nova Três Corações ocorreu na data de 27 de novembro de 2015 e não recentemente conforme informado, prova disto está no convite enviado ao MP e a CEF- Caixa Econômica Federal, sendo que neste convite a prefeitura municipal sequer é mencionada. Na ocasião não havia sequer definição de quais seriam os candidatos ao pleito de 2016, muito menos se o primeiro representado seria candidato à reeleição, tampouco estava no período eleitoral.

Quanto às doações de terrenos, relativamente a Sra. Elizabete Nogueira dos Santos, a defesa aduz que foi utilizado instrumento jurídico de Concessão de Direito Real de Uso contando com autorização legislativa, Lei Complementar n. 456/2015 de 28/12/2015, editada em atendimento ao Programa Social instituído pela lei Municipal n. 4174/2015.

Designada AIJ, foi tomado o depoimento pessoal do requerido, foram feitas as oitivas de cinco testemunhas do MP e a oitiva de um informante da defesa, havendo a desistência das demais pelas partes.
Apresentadas alegações finais pelo Ministério Público às ff. 326-331 e pela defesa às ff. 332-374.

É o breve relato. Decido.

II- FUNDAMENTAÇÃO

Sem preliminares, para melhor exame da vexata quaestio, é preciso fazer a distinção entre abuso de poder econômico ou político e captação de sufrágio.

A ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) tem por finalidade declaração da ocorrência do fato jurídico ilícito do abuso de poder econômico ou abuso do poder político.

No tocante à captação ilícita de sufrágio, cumpre-se destacar que o art. 41-A da Lei n° 9.504/97, redação dada pela Lei n° 9.840/99, estabelece o que constitui a prática deste fato ilícito:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 28.9.1999).

Deve-se, de antemão, destacar a profunda diferença entre a captação ilícita de sufrágio e o abuso de poder econômico, pois a dessemelhança está justamente na extensão da prática do fato ilícito.

Segundo STOCO, a captação de sufrágio não se confunde com o abuso de poder, "...enquanto o abuso de poder pressupõe a disseminação da conduta proibida de modo a influenciar na lisura do pleito, a compra de votos satisfaz-se com a entrega ou até simples promessa...” (STOCO, Rui; STOCO, Leandro de Oliveira. Legislação eleitoral interpretada: doutrina e jurisprudência. 2. ed. São Paulo; RT, 2006, p. 32).

Deve-se registrar, ademais, que “O Tribunal Superior Eleitoral caracteriza a captação de sufrágio quando presentes três elementos indispensáveis: a) a prática de uma ação (doar, prometer etc.), b) a existência de uma pessoa física (o eleitor), e c) o resultado a que se propõe o agente (a obtenção do seu voto)” (COSTA, op. cit., p. 517).

Anote-se que, em se tratando de captação ilícita de sufrágio, não se exige a necessidade de demonstração da potencialidade da conduta influir no resultado final do pleito eleitoral, e nem poderia, porquanto, na realidade, o bem jurídico tutelado pela norma eleitoral visa resguardar o direito de voto e não o equilíbrio entre os candidatos no pleito eleitoral.

A inicial aduziu como sendo fatos: 1- inauguração precipitada de bairro, com fins eleitoral; 2- doação de terreno e areia em período eleitoral, em verdadeiro abuso de poder político e econômico. Em nenhum momento restou narrado dos fatos conduta adequada ao tipo previsto no art. 41-A, qual seja a compra de voto, que segundo jurisprudência pacífica pode se dar até de forma indireta.

Aludido fato, qual seja, possível compra de voto pelo atual prefeito, Sr. Cláudio, em troca de promessa de doação de terreno, surgiu em audiência de instrução por ocasião da oitiva da testemunha Josimar Donizete Tavares.

Conclui-se, assim, ao ver deste juízo que, proceder ao enquadramento dos fatos narrados a exordial, por ocasião das alegações finais no tipo previsto no art. 41-A, constitui verdadeira inovação à lide, uma vez que, conforme já dito, em nenhum momento da exordial foi suscitada compra de voto, ainda que de forma indireta. Repito, por oportuno, que aludido fato surgiu em audiência de instrução, tão somente, ocorrendo, portanto, verdadeira preclusão consumativa, pelo que, permitir que a parte autora faça menção a novos fatos neste momento processual, seria o mesmo que chancelar o desrespeito ao devido processo legal e a inovação da lide nesta fase.

Por tais, razão é que passo a análise da matéria fática e, para tanto, é de todo salutar trazer à colação os dispositivos da Lei n° 9.504197 que regem a matéria:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

E ... ]

§ 40 o descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.
§ 50 Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 40, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma. (Redação dada pela Lei n° 12.034, de 2009)

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§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei n° 11.300, de 2006).

(sem grifos no original).

O rol das condutas vedadas, portanto, deve ser compreendido como um anteparo de proteção ao equilíbrio do pleito que se coloca sob ameaça por parte do agente público e que foi, digamos, potencializada com o instituto da reeleição. Esta é, portanto, a interpretação teleológica da norma, por perseguir a finalidade protetiva do pleito eleitoral.

A objetividade jurídica do dispositivo é proteger o patrimônio público móvel ou imóvel do desvio de finalidade. No plano subjetivo, a norma visa evitar que a utilização indevida desse patrimônio desequilibre o pleito eleitoral. Por certo, o “uso promocional” deve ser combatido quando se identificar na própria execução dos programas de governo, o caráter abusivo da vinculação ao projeto eleitoral de quem administra a máquina pública. Não obstante, nos autos, se extrai que o Programa Minha Casa Minha Vida se deu fora do período eleitoral, e sequer restou comprovado “uso promocional” do aludido programa pelo candidato a reeleição, ora representado, conforme se extrai da oitiva da testemunha Maurício Miguel Gadbem, bem como dos documentos de ff.215-224.

Conclui-se que no que atine à inauguração do Bairro Nova Três Corações, da moldura fática constante dos autos não se pode constatar que a efetiva distribuição de lotes em favor dos munícipes tenha ocorrido de forma precipitada de modo a consubstanciar o abuso, menos ainda, a conduta vedada pelo art. 73, inciso IV e seu § 10, da Lei n. 9.504197.

Já no que pertine a doação de terrenos, como se vê, nos termos da legislação de regência, no ano eleitoral, a Administração Pública só poderá promover a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios, se tal conduta se der no bojo de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

Nesse sentido:
ELEIÇÕES 2010. RECURSO ORDINÁRIO. IMPROCEDÊNCIA. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PRECLUSÃO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E CORRUPÇÃO ELEITORAL. MANUTENÇÃO DE PROGRAMA SOCIAL NO PERÍODO ELEITORAL. PEDIDO DE VOTOS. FRAGILIDADE DA PROVA. MATÉRIAS JORNALÍSTICAS FAVORÁVEIS AOS CANDIDATOS. AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE LESIVA. RECURSO DESPROVIDO.
4. A manutenção, no período eleitoral, de programa social criado por lei e em execução orçamentária no exercício anterior encontra amparo no disposto no § 10 do art. 73 da Lei n° 9.504/97.

7. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(RO n°621 3-34/MS, Rei. Ministro DIAS TOFFOLI, DJE 24.3.2014)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AIJE. ART. 73, § 10, DA LEI N° 9.504/97. PROGRAMA SOCIAL. CESTAS BÁSICAS. AUTORIZAÇÃO EM LEI E EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA NO EXERCÍCIO ANTERIOR. AUMENTO DO BENEFÍCIO. CONDUTA VEDADA NÃO CONFIGURADA.

1. A continuação de programa social instituído e executado no ano anterior ao eleitoral não constitui conduta vedada, de acordo com a ressalva prevista no art. 73, § 10 da Lei n° 9.504197.

[ ... J

4. Agravo regimental desprovido.

(AgR-REspe n° 9979065-51/SC, Rei. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJE 19.4.2011)

Com efeito, para concluir se de fato foram perpetradas as condutas vedadas previstas no inciso IV e no § 10 do art. 73 da Lei n° 9.504/97, é imprescindível a verificação quanto à ocorrência, ou não, de efetiva doação dos lotes — tradição dos imóveis —, durante o período em que tal proceder é defeso.

Isso porque, a singela leitura dos citados dispositivos legais, conduz à conclusão de que a subsunção dos fatos ora analisados às citadas normas tem como condição inarredável ter havido a “distribuição gratuita de bens”, não sendo cabível, quanto a esse ponto, interpretação extensiva daquele comando normativo, de maneira a albergar situações semelhantes à dos presentes autos.

É forçoso reconhecer que não houve a necessária subsunção do fato à norma proibitiva, tendo em vista que inexiste prova nos autos de que os representados tenham levado a cabo a efetiva distribuição gratuita durante o ano eleitoral, uma vez que restou frustrada toda e qualquer tentativa, conforme se extrai das próprias oitivas das testemunhas Josimar Donizetti Tavares, Poliane Aureliano da Silva e Valdemir Rezende Carvalho.

No que atine a doação de terreno a Sra. Elisabete Nogueira dos Santos, é preciso esclarecer sobre a concessão de direito real de uso e sobre este assunto assim se manifesta José dos Santos Carvalho Filho:

“A concessão de direito real de uso salvaguarda o patrimônio da Administração e evita a alienação de bens públicos, autorizada às vezes sem qualquer vantagem para ela. Além do mais, o concessionário não fica livre para dar ao uso a destinação que lhe convier, mas, ao contrário, será obrigado a destiná-lo ao fim estabelecido em lei, o que mantém resguardado o interesse público que originou a concessão real de uso.
Além da concessão de direito real de uso, outra possibilidade é a doação com encargos, que pode ser utilizada, sempre que o interesse público puder indicar ser a modalidade de transferência da propriedade mais vantajosa.

Assim, a concessão consiste, portanto, em um contrato administrativo celebrado entre o ente público e o particular para a transferência da utilização de um domínio público fundiário, a título gratuito ou remunerado. Por meio da concessão, repita-se, é conferido ao concessionário um direito real e como tal, ainda que seja um direito resolúvel vinculado às finalidades da concessão, o particular poderá defender seu direito oponível erga omnes. O concessionário está, assim, garantido contra a ação de todas as demais pessoas na defesa do seu direito.

O art. 73 da Lei n. dispõe em seu parágrafo 10 que:

"No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.”

A cessão de uso e a concessão de direito real de uso não estão proibidas em ano eleitoral. Primeiro, quando o legislador pretendeu estabelecer a proibição de utilização de bens públicos, o fez na regra do inciso I do art. 73, da Lei n.º 9.504/97. Desse modo, não caberia ao § 10 do art. 73 da Lei n° 9.504/97 vedar a cessão ou concessão de direito real de uso de bens, já que não se trata de distribuição gratuita, em razão das peculiaridades jurídicas desses institutos. Portanto, é permitida desde que não haja qualquer tipo de promoção eleitoral na concessão, ou na cessão de direito real de uso.

Da documentação carreada aos autos extrai-se que houve sim o instituto da concessão de direito real de uso de lotes urbanos conforme lei n. 3.706/2011 de 03/10/2011, à f.155, que dispõe sobre o assentamento de famílias carentes, Lei n. 4.174/2015, às ff. 158/161, institui o programa de concessão de direito real de uso de lotes urbanos a famílias residentes em área de risco ou insalubridade e em situação de relevante vulnerabilidade social, Lei Complementar n. 456/2015 que autoriza a desafetação e transferência de uso de imóvel por concessão de direito real de uso, no Bairro Retirinho, objetivando a regularização fundiária de interesse social, às ff.162/164, além do Termo de concessão de direito real de uso n. 005/2016, ff. 177/180 e Laudo social de ff. 208/209.

Quanto a possível doação de bem móvel, qual seja, de um caminhão de areia, tal fato restou comprovado no depoimento da testemunha Josimar Donizetti Tavares, que confirmou em juízo, sob o crivo do contraditório, sendo claro ao dizer que seu irmão recebeu um caminhão de areia do prefeito, que veio por meio do caminhão da prefeitura, e que aludida areia foi despejada em propriedade doada verbalmente ao seu irmão. Saliente-se que, as declarações prestadas em juízo por Josimar Donizetti Tavares vão de encontro ao dito junto à Delegacia de Polícia pela pessoa de Valdemir Rezende Carvalho, à f.17.

Não obstante a comprovação, tem-se que o exame da potencialidade não se prende ao resultado das eleições. Importam os elementos que podem influir no transcurso normal e legítimo do processo eleitoral, sem a necessária vinculação com resultado quantitativo, e por sapiência que um único caminhão de areia não é capaz, nem de longe, de influir no transcurso normal e legítimo de um processo eleitoral. Portanto, inexistente a potencialidade de comprometimento da lisura e normalidade das eleições para fins de configuração de abuso de poder que possa culminar com a inelegibilidade e, possivelmente, com a cassação. Razão pela qual, o pedido não merece acolhida.

III- CONCLUSÃO

Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial, uma vez que não restaram comprovadas a prática de Abuso de Poder Econômico e Político por parte dos representados CLAUDIO COSME PEREIRA DE SOUZA e LUIZ VILELA PARANAÍBA.

Sem condenação em custas e honorários.

Com o transito em julgado, arquive-se com baixa.

PRI.

Três Corações, MG, 07 de dezembro de 2016.

Glauciene Gonçalves da Silva

Juíza Eleitoral

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