A semana do juízo final: o dia em que a Câmara mentiu até para o Judiciário

Bioco, presidente da Câmara Municipal de Três Corações

No dia 04 de março a Câmara, empurrando ao máximo possível para a frente a temida decisão da juíza da 2ª vara cível desta Comarca, apresentou sua manifestação sobre o pedido de tutela de urgência pelo qual o Gordo Dentista pretende voltar à Prefeitura.

A Manifestação possui 10 páginas e eles discutem tudo, absolutamente tudo, mas em quase nada rebateram a petição inicial. Perderam a oportunidade de demonstrar que todos aqueles erros só existiam na cabeça dos advogados. Na verdade, sob certo aspecto é compreensível o silêncio da Câmara, pois é realmente muito difícil explicar batom na cueca.

Pois bem, diletos leitores.

Os únicos dois pontos rebatidos são com relação ao dia da votação pela Câmara da denúncia contra o prefeito cassado. Ela aconteceu em 09 de agosto de 2021 durante a 24ª Sessão Ordinária e não no dia 12 de agosto de 2021. Qual a importância prática de tudo isso?

O Regimento Interno da Câmara prevê no art. 99, § 3º: “As proposições poderão ser protocoladas diretamente na Secretaria da Câmara, devendo as mesmas serem encaminhadas para leitura na primeira sessão ordinária ou extraordinária subsequente”

Uma vez protocoladas na Secretaria, “as proposições serão encaminhadas ao Presidente, para o despacho necessário à sua tramitação” (art. 99, § 4º). Todavia, “as proposições protocoladas diretamente na Secretaria da Câmara, não poderão ser incluídas na Ordem do Dia antes de sua leitura em sessão ordinária ou extraordinária” (§ 5º do art. 99).

A denúncia contra o até o momento ex-prefeito Gordo Dentista não podia ter sido votada no mesmo dia de sua leitura em plenário. Qual a consequência? A nulidade da votação da denúncia por desrespeito ao Regimento interno.

Em outro momento, a Câmara afirma ter concedido do ex-prefeito a oportunidade de prestar seu depoimento pessoal, o que é exigência do próprio rito de cassação do Decreto-Lei 201-1967 e também da Lei Orgânica do Município, art. 135:

Art. 5º, III, do Decreto-Lei nº 201-1967 / Art. 135, III, da Lei Orgânica

III - Recebendo o processo, o Presidente da Comissão iniciará os trabalhos, dentro em cinco dias, notificando o denunciado, com a remessa de cópia da denúncia e documentos que a instruírem, para que, no prazo de dez dias, apresente defesa prévia, por escrito, indique as provas que pretender produzir e arrole testemunhas, até o máximo de dez. Se estiver ausente do Município, a notificação far-se-á por edital, publicado duas vezes, no órgão oficial, com intervalo de três dias, pelo menos, contado o prazo da primeira publicação. Decorrido o prazo de defesa, a Comissão processante emitirá parecer dentro em cinco dias, opinando pelo prosseguimento ou arquivamento da denúncia, o qual, neste caso, será submetido ao Plenário. Se a Comissão opinar pelo prosseguimento, o Presidente designará desde logo, o início da instrução, e determinará os atos, diligências e audiências que se fizerem necessários, para o depoimento do denunciado e inquirição das testemunhas. 

A Comissão Processante permitiu ao então prefeito ser ouvido durante os dias em que seu tratamento de imunoterapia acontece na capital mineiro. Desde o dia 13 de setembro de 2021 ele estava em BH cuidado da saúde e, por isso, apresentou atestado médico e requereu fosse redesignada a data para poder falar aos vereadores.

Como é de conhecimento de todos, Gordo Dentista enfrenta longo tratamento contra o câncer. Mesmo assim, a Comissão Processante indeferiu o pedido de marcação de nova data e ele nunca foi ouvido e também nunca lhe deram novamente esta oportunidade. Qual a razão do indeferimento? Segundo a Comissão, o Gordo não requereu seu próprio depoimento (criação jurídica daquela Casa, pois a parte, em processo algum, pode requerer sua própria oitiva) e os trabalhos da Comissão deviam ser concluídos em prazo curto: 90 dias.

O mais curioso de tudo é que, mesmo com prazo tão curto, a Comissão Processante concluiu sua tarefa de cassar o prefeito eleito com 63 dias e folga de 27 dias, portanto. 

A Câmara Municipal também não rebateu a falta de posse dos dois suplentes convocados: Léo Vilela e Werbinho. A falta do procedimento de posse faz destes 2 cidadãos tricordianos nada mais que meros mortais como nós e não podiam participar da decisão sobre a vida do Chefe do Poder Executivo.

Como não houve a posse nos termos da Lei Orgânica e Regimento Interno, a Câmara não juntou aos autos o termo de posse e compromisso dos suplentes, nem a declaração de bens registrada em cartório, como quer a Lei Orgânica. 

Parece que sorte é mesma inimiga da perfeição. A pressa em cassar o ex-prefeito se transformou em tiro no pé da Comissão Processante, cujos membros podem ter se comportado de forma indesejável e até mesmo incompatível com a dignidade do cargo, infração político-administrativa que motivou todo aquele teatro.

Esta é uma semana decisiva para Três Corações: Gordo Dentista pode voltar e pode não voltar; Nadico pode estar com suas horas contadas. A juíza pode decidir a qualquer momento a partir de agora. A Câmara e a Prefeitura já se manifestaram no processo que corre por aqui.

A sorte está lançada.

Em tempo: novamente este Blog coloca-se à disposição da Câmara Municipal de Três Corações para, querendo, se posicionar quanto à matéria supra.