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'Murder Most Foul' fala do assassinato do presidente americano John F. Kennedy, em 1963, e é um painel de quase 17 minutos sobre política e contracultura.
Por Felipe Branco Cruz
Dias depois de a Academia Sueca laurear Bob Dylan com o prêmio Nobel de Literatura, em 2016, seguiu-se entre os entendidos um infrutífero debate: eles se dividiam sobre considerar ou não letras de músicas como obras literárias. Nesta sexta-feira, 27, Dylan deu mais uma prova – como se ainda precisasse provar alguma coisa – de que sim. De surpresa, o americano lançou Murder Most Foul, um musicado poema de quase 17 minutos digno de mais um prêmio Nobel, oras.
Extremamente reservado, como gênio recluso que é, Dylan só se manifestou na época sobre o Nobel porque foi praticamente obrigado – ou perderia o prêmio. Não compareceu à cerimônia solene de entrega em Estocolmo, chocando a comunidade literária por isso. Mandou apenas um discurso de agradecimento lido por sua amiga Patti Smith. Na ocasião, Horace Engdahl, membro da Academia Sueca, justificou a escolha: “Por meio de sua obra, Bob Dylan mudou nossa ideia do que a poesia pode ser e como ela pode funcionar”.
E mudou mesmo. Sem músicas inéditas há oito anos, Murder Most Foul (a mais extensa da carreira e a primeira lançada depois de ganhar o Nobel) fala sobre o assassinato do John F. Kennedy, em 1963. A morte do presidente, obviamente, marcou profundamente todos os americanos – inclusive Dylan, que tinha 22 anos e já despontava como um dos expoentes da contracultura.
A música, que não tem refrão e não repete nenhum verso, traz ainda referências a figuras centrais da cultura dos anos 1960 e 70, como os Beatles (vale lembrar que foi Dylan quem apresentou a maconha ao quarteto) e o festival de Woodstock. Há até uma breve referência ao filme A Hora do Pesadelo, que em inglês tem o título de A Nightmare on Elm Street. Sobra também uma citação para o The Who. Dylan menciona a ópera-rock Tommy e diz: “I’m Acid Queen”. Murder Most Foul também é o título em inglês do filme Crime Sobre Crime (1964), de George Pollock, baseado no livro A Morte da Sra. McGinty, de Agatha Christie.
No Twitter, Bob Dylan agradeceu a lealdade dos fãs. “Em agradecimento a todos os meus fãs e seguidores, com gratidão por todo o seu apoio e lealdade ao longo dos anos. Essa é uma canção inédita e que nós gravamos há um tempo atrás e você pode achar interessante. Fique seguro, fique atento, e que Deus esteja com você”.
Porém, mais significativo que tudo isso, é que Dylan, aos 78 anos, usa o assassinato de Kennedy para mandar um recado providencial ao mundo sobre as consequências de se cultivar o ódio. O mesmo artista que cantou que a “resposta é soprada pelo vento” fala sobre política em meio a uma das maiores crises da história recente da humanidade. Mas a poesia se sobrepõe à mensagem política. Muder Most Foul é um grande painel sobre tudo de bom produzido na arte popular nas últimas décadas, com tantas referências, duplos sentidos e múltiplas interpretações que provavelmente renderá debates por muito tempo entre os entendidos em música e literatura.
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