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segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

LEIAM A ENTREVISTA QUE O PREFEITO DE TRÊS CORAÇÕES CONCEDEU À REVISTA PIAUÍ



“Uma estrada de terra avança pelo interior de Minas, deixando Três Corações para trás. Morros, vales, pequenas fazendas, plantações de café, fios d’água, casas isoladas, cavalos no pasto, mata-burros, bois solitários, lombadas, curvas, cupins, poeira, mais poeira, ermo. No fim da linha, aparece a casa. Antiga, bonita, sólida, dessas do tempo do café, mas pequena, sem luxos, a provável residência de um baronete remediado. 

O prefeito Cláudio Cosme Pereira de Souza está à porta. Apesar do calor, veste mangas compridas. Mostra as portas altas, o pé direito de 11 metros, a louça inglesa das pias, uma saboneteira de bronze. E também o forro comido, as paredes descascadas, as tábuas soltas do assoalho. Caminha devagar, como se suas pernas fossem mais antigas do que ele. Chega à cozinha, onde o esperam a dona da casa, o marido e a filha pequena dos dois e um corretor de imóveis. “Esse é o Gervásio”, diz, meio a troco de nada, apontando o marido, “ele foi muito bonito, fez pornochanchada e comeu todo mundo”. Gervásio, um homem de 58 anos, parece não se lembrar dessa etapa da vida. O rosto é maltratado e a expressão é de quem não está ali, mas acolá. Para susto dos visitantes, ele exclama do nada: “Tamo todo mundo junto!”, e tenta sem sucesso envolver o grupo num só abraço. 

De panelas simples sobre o forno a lenha, o prefeito se serve de angu e galinha com quiabo. Senta-se à mesa forrada com uma toalha de plástico. A seu lado, o corretor suga um ossinho. À sua frente, a mulher conta que a filha pequena quer ser modelo, e mostra as fotos tiradas para uma agência de São Paulo. Com ênfase crescente, Gervásio insiste que estamos todos juntos. O prefeito come em silêncio, alheio à cena. Não se altera nem quando ouve o ex-ator dar um murro na mesa e avisar que “Aqui tem muita assombração!” A esposa desmente, admoestando o marido. “Gervásio, estamos vendendo a casa...” 

Dr. Cláudio está ali para fechar a compra da propriedade de 50 hectares. Porteira fechada, o que inclui as arcas, os quadros, a saboneteira, os pés de café, a toalha de plástico, uma velha tevê, o aparelho de vídeo e todas as fitas de África, o Último Paraiso Selvagem. Está mais abatido, mais afetado pelo Parkinson que o colheu ainda jovem, bem como pelo fardo de se manter politicamente vivo numa cidade em que se indispôs com quase todo mundo – “com todo mundo não, só com os poderosos”, ressalva. 

Naquele primeiro dia de setembro, um sábado, sua situação parecia precária. Na semana seguinte, os desembargadores retomariam o julgamento do impeachment e seus adversários já comemoravam a sua cassação. Os que acreditam que foi ele quem denunciou Fausto Ximenes ao MP –e são muitos- 

Não o perdoam por ter conspurcado a imagem da cidade. Sentado num sofá, com Gervásio de pé ao seu lado, ele nega. “Nunca faria isso. A investigação começou em 2009, muito antes de eu chagar à prefeitura. Prenderam secretário meu, de Meio Ambiente, de Administração... Você acha que eu ia denunciar a minha própria gente? Prenderam a cidade inteira, o PIB da cidade foi para a cadeia. Tive que reconstruir a imagem de Três Corações.” 

Lembra que a Justiça arquivou duas vezes a primeira denúncia de compra de votos, a qual só teria prosperado agora por obra de seus adversários. Ri quando ouve que o Gordo Dentista negou estar à frente da denúncia. “Você pode confiar numa pessoa que vai à rádio e diz assim: “Você é um chifrudo, você é um corno, tua mulher está te passando pra trás, espero que morra de câncer?” Apesar do placar desfavorável, mantém esperanças. “|O governador Fernando| Pimentel me disse que vai falar com um dos desembargadores que votaram contra, ver se ele muda de ideia. Eu vou reverter.” * 

Há mais fadiga do que convicção em sua fala, ele admite. “Estou cansado da administração pública. Essa fazenda é minha aposentadoria precoce, a que tenho direito por causa da doença. Vou transformá-la numa área de produção de vinho. Viti-vi-nícula” diz, acostumando-se com a nova palavra. Gervásio o abraça. “Tamo todo mundo junto!” Dr. Cláudio se levanta e, devagar, caminha até a picape. “Bolsonaro tem que matar coisa ruim!”, ainda grita da soleira da porta, o ex-ator pornô. É a última coisa que se ouve dentro do carro que se afasta 

* Não estava errado. A votação estava em 4 a 2 quando o segundo vogal, o juiz Antônio Augusto Fonte Boa, alterou o voto para que fosse negado o recurso do processo. Com isso, a votação ficou em 3 a 3. Uma licença médica adiou o voto de minerva do presidente da Turma. Até o fechamento desta edição, o placar permanecia empatado. Mas isso, claro, Dr. Cláudio não podia saber em1º de setembro. 

João Moreira Salles    -   Piauí Outubro/2018


Nota deste Blog. A próxima entrevista da revista Piauí será a do Gordo Dentista

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